As mudanças na
rota da estrada das tropas nas atas
da Câmara Municipal
de Pelotas entre 1832 e 1845
Por: Bruno Martins Farias (14/03/2013)
Desde que o mundo é mundo,
existem governos para administrar as aldeias, vilas, povoados, cidades, etc. E obviamente
isso aconteceu também em Pelotas desde as suas primeiras décadas de existência.
Como na época as principais atividades econômicas da região eram a criação de
gado e a subsequente transformação de sua carne em charque, era importantíssimo
o sistema de transporte terrestre das reses de outras localidades para a então
Vila de São Francisco de Paula.
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Livro “Atas da Câmara Municipal de Pelotas (1832-1845)” |
No livro “Atas da Câmara Municipal de Pelotas (1832-1845)”, compilação
de documentos públicos organizada pelo historiador há pouco falecido Mário
Osório Magalhães estão registradas uma série de medidas tomadas pelo poder
público no sentido de regular e amenizar os problemas causados pelas tropas de
gado chegadas à cidade. E também no intento de ministrar as questões
relacionadas ao urbanismo, incluindo aí as resoluções dos vereadores da época
quanto à construção de currais e cercas e à utilização e tapamento das estradas
para transporte do gado destinado às charqueadas pelotenses.
Outras valiosíssimas informações
sobre diversos temas da história da Princesa do Sul podem ser encontradas
nesses registros, entre elas relacionadas à educação; ao então novo “Código de
Posturas”; à escravatura, às licitações para capitães do mato e ao quilombo de
Manuel Padeiro; à segurança e à saúde pública e outros. Porém aqui nos concentraremos
apenas no assunto do transporte das tropas pra Pelotas, descrita nas atas como “chave de todo comércio da província”
(pág. 91).
As polêmicas da estrada do Passo dos Carros e do caminho das tropas
Nos últimos séculos podemos dizer, a grosso modo, que todos os
caminhos da campanha levavam a Pelotas. E a partir de mapas do século XVIII
reproduzidos no livro “Negros, charqueadas e olarias” de Ester Gutierrez, é
possível constatar que a principal rota terrestre para transporte de tropas entre
Pelotas e Capão do Leão, então a porta de entrada da “cidade do doce”, era a
Estrada do Passo dos Carros. Atualmente ela ainda existe, mas é muito pouco
usada apesar de ter sido a rota mais utilizada durante tantos anos para se
levar o gado até o logradouro público e dali até as charqueadas. À beira dessa
via existiam diversos currais usados pelos tropeiros para prender os animais
que guiavam até o logradouro público e para que não se misturassem com outras
tropas chegadas à cidade no mesmo dia.
Almanaque de 1914 anuncia a mangueira de aluguel de Cupertino Dias Portella (Site memória.bn.br);
A velha casa no Passo dos Carros que pertenceu a Cupertino Dias Portella (Foto de Bruno Farias)
Exemplo disso é a mangueira de
aluguel de Cupertino Dias Portella, cujos vestígios ainda existem em sua antiga
propriedade na referida estrada. Ela foi usada por tropeiros pelo menos até
1914, quando ainda era anunciada no “Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro” (Site Memória.bn.br). Muitos outros currais
semelhantes a este ainda existem na mesma estrada, porém a grande maioria deles
não é mais utilizada há muitos anos.
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O Passo dos carros hoje é pouquíssimo utilizado por alguns
aventureiros e jipeiros
que querem cruzar o atual arroio Teodósio (Foto: Bruno Martins
Farias / 2009)
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Mas nem sempre esse foi o único caminho
utilizado para essa finalidade. Entre 1832 e 1845 houveram diferentes polêmicas
e mudanças relacionadas à logística do gado vacum vindo da campanha. Em 10 de
maio de 1832, por exemplo, foi decidido pelos vereadores que se ordenasse o
encaminhamento das tropas de gado xucro passadas por Capão do Leão “
pela estrada da coxilha que segue até Monte
Bonito [...] para que jamais passem as ditas tropas de gado por esta povoação”, referindo-se à zona urbana de Pelotas (pág. 39). Quatro dias depois foi recomendado que houvesse maior observância por
parte do delegado de Capão do Leão, “
por
ter sucedido ontem passarem duas tropas por esta Vila” (pág. 43). O grande
problema da passagem do gado xucro por dentro da Vila de São Francisco de Paula
era o perigo dos animais causarem danos à propriedade pública e privada e,
principalmente, o risco de atropelamento. Foi o que fez com que fosse sugerida
a retirada do matadouro público da beira do Arroio Santa Bárbara, que passava
pelas imediações de onde hoje ficam a Receita Federal e o Pop Center.
Isso foi proposto em 10 de
janeiro de 1835, mesmo dia no qual se sugeriu que ele fosse transferido pra
dentro dos limites do logradouro público. E foi requerido que o fiscal
determinasse o quanto antes as “horas que
mais cômodas forem para se recolher o gado ao matadouro público, a fim de
evitar-se algum desastre que pode acontecer se prosseguir o costume em que
estão os donos de açougues” (Págs. 219 e 220). Na sessão seguinte, do dia
11 de janeiro, foi pedida a “pronta execução “ da ordem dada um dia antes (Pág.
221). Ficou estabelecido então, no dia 19 de janeiro de 1835, que o gado
deveria ser recolhido ao curral público: no verão, do meio dia às duas da
tarde; e no inverno, das cinco às sete da manhã (Pág. 224). Inclusive foi
aplicada uma multa num cidadão chamado Antônio Carlos, nessa mesma ocasião, por
transportar seus animais fora destes horários, punição esta que foi revogada
por ordem da própria Câmara por ser muito recente a ordem e por não haver
conhecimento por parte deste a respeito da resolução (Pág. 223).
Quanto à estrada das tropas, em 7
de agosto do mesmo ano foram recebidos pela Câmara um requerimento de João
Carneiro da Fontoura e outro de diversos moradores do Cerro da Buena relativos
ao uso da Estrada do Passo dos Carros, pedidos estes que ficaram de ser
analisados por uma comissão de vereadores que deveriam interpor seu parecer
sobre todos os ofícios e requerimentos e até sobre o parecer da comissão sobre
as estradas e margens dos arroios São Gonçalo e Pelotas (pág. 58). A seguir, em
17 de agosto de 1832, foi ordenada a reabertura da estrada que passava por
dentro do campo de Manoel Alves de Moraes (Pág. 61). Moraes pediu o alinhamento
da estrada uma semana após ser dada a ordem (Pág. 65).
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As dificuldades dos carreteiros também eram observadas pela Câmara (Foto: Pedro Blanco) |
Quase um mês depois, o assunto entrou
em pauta novamente, quando Moraes questionou novamente a Câmara quanto à
tapagem de seu terreno. No mesmo dia, “Veio
à mesa o parecer da comissão a quem foi incumbido o exame das estradas para as
tropas de gado, a qual indicou uma nova estrada nas imediações desta Vila”.
Tal resposta precisaria ser dada em poucos dias, “visto que se aproxima o tempo do trânsito das tropas de gado para as
charqueadas”, safra esta ocorrida normalmente entre maio e abril, período mais quente do ano e mais propício, devido ao sol forte, para a produção do charque (pág. 73). Foi então dado no dia 27 de setembro de
1832 o parecer da comissão, produzido em 16 de agosto, indicando “uma estrada pela qual, sem inconveniente
público, possam seguir as tropas de gado para as charqueadas”, evitando os
problemas causados pela passagem destas pelas ruas da Vila. Foi decidido que a
via utilizada pelos condutores de gado seria a da coxilha imediata ao Monte
Bonito. Um cidadão chamado João Carneiro da Fontoura reclamou da “prepotência e estragos que havia sofrido
pelo capataz e escravos de Manoel Alves de Moraes nos matos, um rancho e cercas
que demoliram, com o fim de alargar o Passo de Manoel Inácio“.
Por ser
proprietário das terras existentes junto ao referido Passo, Moraes já havia
tentado inutilizar e impedir por diversas vezes o acesso público ao Passo dos Carros.
E de acordo com os mesmos registros, os moradores de além do Arroio Fragata,
que cruza a Estrada do Passo dos Carros, se queixaram dos prejuízos causados a
eles, aos viajantes e ao comércio da Vila pela não utilização daquele caminho.
Por exemplo: ”
as carretas que haviam
buscado aquela estrada para evitar as enchentes do Passo do Fragata, e de
atravessarem o extenso areal que existe junto ao mesmo passo, em que os bois
cansam, e alguns condutores de tropas, estes buscaram iludir a resolução,
conhecidamente improfícua, pelo maior espaço de tempo que se viam obrigados a
percorrer quando dela fossem observantes; esperavam, pois, pelo véu da noite
para infringi-la, afastando então os estorvos postos ao Passo, bem como tem
feito por vezes os carreteiros”.
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O Arroio Fragata (Foto de Bruno Farias) |
Também foi dito na ocasião que as
tropas de gado podiam chegar à Vila no mesmo dia após atravessarem o passo,
sendo que por outras vias eles não poderiam obter o mesmo resultado. A Câmara
chegou à conclusão de que a manutenção do Passo dos Carros era de utilidade
pública, e foi decidido que Manoel Alves de Moraes deveria remover os estorvos
que mandou opor ao trânsito público por aquele local. E, diferentemente do
Passo dos Carros, pela outra estrada reprovada pela comissão passar por dentro
do potreiro de João Carneiro da Fontoura e junto à casa do suplicante, seguindo
sem estorvos até o Passo do Rincão da Gama.
Mas isso não bastou pra acabar
com a discussão pois, ao ser apresentado o parecer, Moraes requeriu novamente
a não utilização do Passo dos Carros, alegando “falta de justeza da comissão” e “prejuízo particular e a inutilidade da estrada do Passo dos Carros pela
existência de outras que preenchem o mesmo fim, e estas suscetíveis de
melhoramento, a que ele mesmo se compromete e o designa ao mapa por estrada
projetada”. Também de acordo com Moraes, havia parentesco entre João
Carneiro da Fontoura e o fiscal com quem Moraes deveria se entender, julgando-o
incompetente para tomar tal decisão. Outro fato levado em conta pela
Câmara é o de que “o Passo dos Carros,
ainda quando há fartura das chuvas, fica ao mais vinte e quatro horas interrompido
o trânsito público das carretas, o que pelo contrário acontece no Passo do
Fragata, onde pela mesma causa é aquele inconveniente prolongado de oito,
quinze ou mais dias, e bem assim o areal acima notado, motivos estes que têm
atraído a vista pública” (Págs. 75, 76 e 77).
Houve dúvida quanto à necessidade de mudança para outra estrada, e
sobre quem teria aberto a Estrada do Passo dos Carros, que de fato era muito
antiga: “Havendo moradores do outro lado
do passo há mais de cinquenta anos. É evidente que estes não vivessem
encravados, e que já estivessem no uso e posse dela”. Também foi falado que
no Passo de Manoel Inácio era “gravoso o
trânsito público de carretas e gados [...] onde sempre se perdem cabeças, pela
existência de matos e faxinas intransitáveis”, e até as mutucas foram
levadas em conta até ser decidido que a Estrada do Passo dos Carros deveria ser
mantida. Moraes também foi repreendido por estar usurpando esse bem público que
já existia antes mesmo dele obter sua carta de sesmaria. Foi considerada
também “intempestiva a suspeita de Moraes
quanto à incompetência do fiscal”.
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Currais feitos de terra e espinheiros usados como paradouro das tropas na Estrada do Passo dos Carros, antiga entrada do gado pras charqueadas de Pelotas/RS (Foto: Bruno Farias / 2010) |
A conciliação dessas estradas com
o logradouro público e com as charqueadas numa única estrada geral para o
trânsito das tropas era necessária. E isso fez com que o Passo dos Carros
seguisse sendo usado: “sustentando sua
resolução de 16 de agosto, faça seguir a estrada pelo Passo dos Carros ao do
Rincão da Gama, imediato ao estabelecimento de José Soares do Rego, e dali ao
logradouro público, e deste às charqueadas, pois que desta maneira corta os
obstáculos que até agora têm experimentado os condutores de gado e de carretas,
aplanando e encurtando-lhes o caminho” (Págs. 77, 78 e 79). Juntamente com
essa resolução, foi mandado ao fiscal e juiz de paz do Cerro da Buena que
liberasse o trânsito das tropas pela estrada geral que passava por aquela
localidade do atual município de Capão do Leão/RS. Ainda, “O vereador Almeida requereu que a estrada proposta pela comissão não
tivesse menos de 30 braças de largura” (Pág. 80).
Outro caso de necessidade de
alargamento de estradas foi registrado no dia 7 de julho de 1835: “do juiz de paz do Quarto Distrito, expondo o
estado em que se acha por acabar a ponte do Arroio Grande, a estreiteza da estrada
que segue por dentro do mato por um e por outro lado do passo, bem como, no
passo do Arroio Corrientes, que se acha da mesma maneira estreita a picada do
mato daquele passo, servindo um e outro lugar de seguro asilo aos fascinorosos,
sobre o qual deliberou unanimemente a Câmara que se oficiasse ao fiscal do dito
distrito, para requerer ao juiz de paz respectivo, a fim de se abrir
imediatamente nos dois passos públicos dos arroios Grande e Corrientes a
estrada na largura de vinte braças dentro dos matos de um e outro lado dos
passos públicos, e que se recomende ao dito fiscal a conclusão da obra da ponte
do Arroio Grande antes que as enchentes destruam os trabalhos que já se acham
feitos“ (Págs. 256 e 257)
Tais melhoramentos nas ruas e estradas costumavam ser feitos pelos
proprietários de terrenos lindeiros a estas vias. Ou melhor, por seus
empregados e escravos: “convidando-se ao
encarregado da planta da Vila para alinhar a dita estrada, e a todos os
proprietários de escravos para os mandarem com capatazes e ferramentas”
(Pág. 83). Nessa época a Vila de São Francisco de Paula contava com seu
primeiro arruador, o engenheiro ou arquiteto civil Edward Kretschemer. O mesmo
dirigiu, entre 1833 e 1835 os estudos e sondagens para a desobstrução da foz do
Canal São Gonçalo, além de ter sido o responsável pelo projeto de construção do
Teatro Sete de Abril e também o autor da planta de retificação e ampliação da
planta do Rio de Janeiro (Pág. 87).
Voltando à discussão sobre a
estrada das tropas, em 7 de outubro de 1833 o vereador e sesmeiro Manoel Alves
de Moraes voltou a insistir no assunto do Passo dos Carros, dizendo que “apesar de haver despendido para mais de
novecentos mil réis na compostura da estrada das tropas de gado, ela com efeito
não satisfazia ao público, por causa das copiosas chuvas que tem havido, e que
portanto convidava a Câmara para ir ver e designar melhor a estrada por seu
campo que satisfizesse ao público, sem maior prejuízo à sua fazenda”, sendo
nomeada uma comissão para levar em consideração o requerimento dele (págs. 149
e 150). No dia seguinte, foi pedida por vários cidadãos a reabertura do Passo
dos Carros, e a Câmara convidou estes, o arquiteto civil e a comissão para “examinar o melhor lugar para a estrada de
tropas e carretas; e a fim de que para o futuro não se suscitem mais novos
embaraços, é a comissão de voto que se aporte da estrada geral até o seu ponto
de destino”.(Pág 151).
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A estrada do Passo dos Carros sendo percorrida por uma tropilha em 2011 (Foto: Bruno Martins Farias) |
E a polêmica da estrada das
tropas não parou por aí, pois o próprio clima contribuía para que os passos se
deteriorassem e os caminhos mudassem eventualmente, como foi relatado na ata
de17 de janeiro de 1834: “Disse o senhor
presidente que, em razão das chuvas terem deteriorado o passo novo que se abriu
na divisa do campo de Manoel Alves e estar proibida a entrada de gado por este
Passo de Santa Bárbara, achava conveniente que se oficiasse ao juiz de paz do
primeiro distrito para não impedir o trânsito de gado das charqueadas pelo
Passo de Santa Bárbara enquanto se consertava o outro” (Pág. 165). Prova
disso é que logo em seguida, em 12 de abril do mesmo ano, foi levada à Câmara “a representação de diferentes moradores
deste e de outros municípios, expondo o mau estado em que ainda se acha a
estrada designada por esta Câmara para o trânsito das tropas de gado e carretas
e pedindo a abertura do Passo dos Carros para este fim” (Pág. 175).
Em resposta, os vereadores decidiram que “é de parecer que o referido passo fique franco e aplanado até que a
estrada designada por esta Câmara se torne capaz para o trânsito das tropas e
carretas, uma vez que sejam aplanados os
obstáculos existentes, e que disto se faça público por escrito e que
desta determinação se avise o cidadão Manoel Alves, ficando na inteligência de
que não poderá tapar o referido passo”. Nesse mesmo dia foi votado pelos
vereadores Pereira, Mascarenhas, Barcellos e Faria “que o Passo dos Carros ficasse público para sempre” (Pág 176). Por
fim, pelo menos dentro dos registros da Câmara feitos entre 1832 e 1845, ficou
decidido em 19 de julho de 1844 que as tropas não deveriam atravessar as ruas
da então cidade, seguindo a Estrada do Passo dos Carros (Pág. 329), caminho que
depois seguiu sendo utilizado até o século seguinte e que até hoje é utilizado
por pequenas tropilhas com reses pertencentes a moradores locais.
Outras discussões relacionadas ao fechamento de estradas e a mudanças de passos
Manoel Alves de Moraes não foi o
único a tentar impedir a passagem de
viandantes por suas terras. Houveram outros exemplos, como o registrado em 12
de fevereiro de 1835 no qual um morador do quarto distrito chamado José
Francisco Lopes se queixou à Câmara quanto ao tapamento de uma estrada, feito
de uma senhora chamada Genoveva Maria Soares. De acordo com o requerimento, tal
estrada servia o público há mais de vinte anos. Prontamente os vereadores
mandaram o fiscal Bernardino Soares da Silva verificar a veracidade da
reclamação e, no caso desta proceder, foi ordenado que a mandasse reabrir a
estrada e pagar uma multa, determinada no artigo 50 do Código de Posturas (Pág.
230).
Outro caso conhecido foi o do dia
27 de abril de 1835: “Os senhores
Barcellos e Ribeiro Lopes, incumbidos de habilitar a Câmara para informarem se
os requerimentos de José Gomes do Aguiar e Francisco de Paula Fontoura,
transmitidos à Câmara pelo ilustríssimo Presidente, deram o seguinte
esclarecimento: que, passando eles ao Passo Público do Arroio Pelotas para
examinarem sobre o que requereu José Correia do Aguiar, observaram, e é de
público, que o terreno ocupado pela casa e cercados do dito Aguiar é no mesmo
lugar onde sempre existiu a moradia do passageiro daquele passo, em cujo lugar
não convém que se faça outro algum rancho, que sem dúvida impedirá a passagem
de gados que se destinam para as charqueadas situadas na margem oriental do
referido arroio“ (Pág. 246).
O fechamento de estradas e ruas por parte de proprietários de terrenos
e campos parecia ser algo comum na época, já que isso também ocorreu em 1835,
quando foi pedido no dia 13 de agosto que se requeresse a verificação de
utilidade pública da “abertura da rua que
se acha tapada no terreno de José de Sousa Silva e Aquino nesta cidade, e a Rua
de São Jerônimo na saída para o Arroio de Santa Bárbara, que se acha igualmente
tapada no terreno de Miguel Labela” (Pág. 270). A questão da atual rua
Marechal Floriano, voltou à mesa 9 anos depois, na sessão do dia 13 de julho de
1844, quando “O senhor Ferreira Paes
propôs que a Câmara mandasse abrir a Rua de São Jerônimo até o arroio de Santa
Bárbara e que enquanto [...] o arroio num rumo afim de facilitar a entrada do
gado para o curral do matadouro público – foi aprovado” (Pág. 326).
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A ponte de pedra que cruzava o leito do Arroio Santa Bárbara, feita para facilitar a travessia
do mesmo, junto à antiga Praça das Carretas – atual “Praça dos Enforcados” (s/a, s/d)
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Na mesma sessão de 13 de agosto
de 1835 foi feito um “requerimento de Manoel
Pinto de Moraes sobre duas estradas que pelo seu terreno passam para a que
segue à costa do Arroio Pelotas, pedindo para tapar a que segue pela sanga ao
lado de sua chácara – despachou-se: remetido ao fiscal para, à vista do
oferecimento do suplicante, o convide aos mais vizinhos a fim de proceder ao
conserto do caminho em frente da Luz, em forma que fique com a largura
suficiente e em circunstância de passarem seges e carretas, depois do que
requeria o suplicante a esta Câmara para lhe conceder licença de tapar o
terreno que pretende“ (Pág. 273).
Esses fechamentos de estradas às
vezes eram requeridos pelos proprietários dos campos por onde elas passavam
antes de serem efetivamente feitos, como foi o caso de Manoel Pinto de Moraes.
Mas em outras vezes não, e já estando a infração prevista no Código de
Posturas, era aplicada uma multa. Foi o que aconteceu com “dona Guiomar Maria Soares, moradora da freguesia do Boqueirão, antigo
estado, pagando a multa na forma das posturas, alegando que semelhante caminho
era particular e não público – foi despachado que o fiscal respondesse sobre o
que alegava a suplicante“ (Pág. 275). Outro requerimento parecido foi o de
Ignácio Antônio Pires, feito em 9 de setembro de 1835, que pediu “que esta Câmara declarasse por despacho se a
estrada que outrora servia de trânsito às tropas de gado imediatamente se
tornaria necessária – despachou-se por unanimidade de votos que enquanto não se
realizar a direção das ruas que seguem ao arroio Santa Bárbara, conforme
planta, e segundo o que esta Câmara promove, torna-se necessária ao trânsito
público a estrada em questão“ (Pág. 277).
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Travessia do São Gonçalo para as charqueadas de Pelotas (Jean Baptiste Debret/1820 aprox.) |
Outro passo que também gerou
polêmica naquela época foi o Passo dos Negros sobre o Canal São Gonçalo, por
onde atravessavam as reses trazidas do Uruguai. Os registros de Atas da Câmara
de Vereadores do dia 21 de outubro de 1844 falam de um requerimento de “Manoel José Rodrigues Valadares pedindo
remoção da passagem do Passo dos Negros no Rio São Gonçalo, arrematado por
Joaquim Gomes de Mello, que se acha presentemente estabelecido na charqueada de
sua propriedade, no que se lhe remetia prejuízo, bem como a outros
estabelecimentos comerciais, sem que disto adviesse utilidade pública, para o
antigo lugar do Passo“. A Câmara pediu então “que se oficie ao comandante da esquadrilha, consultando se é compatível
a passagem pelo antigo lugar, visto esta não ter sido removida, por ordem do
mesmo, e ignorar a Câmara os motivos”. (Pág. 337).
Já na sessão seguinte,do dia 23
de outubro de 1844, “Leu-se um ofício do
coronel de esquadra Francisco Luís da Gama Rosa em resposta ao que se lhe
dirigiu acerca da remoção do Passo dos Negros, no qual afirma estar aquele
passo impraticável e ser patente a vantagem de se estabelecer a passagem por
meio de uma barca em frente ao porto desta cidade, que a Câmara oficiasse neste
sentido ao excelentíssimo senhor Presidente da Província pedindo a necessária
licença e coadjuvação para a remoção da passagem daquele para este lugar pela
forma indicada – foi aprovado” (Págs. 339 e 340). Uma mudança do local do
Passo dos Negros só foi receber aprovação no ano seguinte, em 16 de maio de
1845: “foi aprovado e neste sentido se
informou o procurador da Câmara, que, para promover a execução da sentença que
mandou Manoel Baptista Teixeira abrir a estrada que se dirige ao Passo dos
Negros, houvesse a Câmara de declarar a largura que devia ter a dita estrada –
resolveu-se que fosse a de 150 passos e assim se lhe respondeu [...] estrada
que deve sair do Passo dos Negros direita à lomba” (Pág. 364).
Como é possível perceber nos
antigos registros da Câmara de Vereadores de Pelotas, houveram diferentes
tentativas por parte de alguns proprietários de terrenos em baterem de frente
com o interesse público. Vários tentaram, mas a maioria não conseguiu. Mas,
como se diz hoje em dia aqui no sul, “a tenteada é livre”... O fato é que,
sendo nossa sociedade que se baseia no direito à propriedade privada, mas que
prioriza o interesse público, sempre haverão essas questões no que diz respeito
a bens materiais nos quais se misturam as propriedades pública e particular.
Fonte: Atas da Câmara Municipal
de Pelotas (1832-1845). / Organização e notas de Mário Osório Magalhães. –
Santa Maria: Gráfica Editora Pallotti, 2011.