domingo, 27 de março de 2011

EXCLUSIVA: Caverna em POA teria servido como prisão na Revolução Farroupilha, conta idoso


Descendente de escravos fala sobre a Toca
dos Bugres, em Porto Alegre/RS, que teria
sido usada como presídio pelos farrapos

Por: Bruno Farias (28/03/2011)

Assista o vídeo, leia o texto, confira as imagens e tire suas próprias conclusões

Mestre Paraquedas conta sobre o que
viu e encontrou na Toca dos Bugres,
em Porto Alegre/RS (Bruno Farias)
Eugênio da Silva Alencar, 75 anos, é uma pessoa que preza muito a memória, a história e os conhecimentos antigos. Melhor dizendo, ele por si só é um exemplo de história viva, sobretudo a de Porto Alegre (RS), cidade na qual reside. Prova disso é a sua participação na Ação Griô (Ministério da Cultura) onde, por ter sido paraquedista do Exército Brasileiro, é conhecido como "Mestre Paraquedas". A iniciativa incentiva o resgate, o registro e a reprodução da história oral, tornando-a um patrimônio cultural imaterial a ser preservado. 
 
Porto Alegre na época da Guerra
dos Farrapos - setembro de 1836
(imagenshistoricas.blogspot.com/ )
Segundo a página da Ação Griô no site do Ministério da Cultura"O Griô é um guardião da memória e da história oral de um povo ou comunidade, são lideres que têm a missão ancestral de receber e transmitir os ensinamentos das e nas comunidades. A palavra é sagrada e, portanto,  valorizada num processo ancestral como fio condutor entre as gerações e culturas (...) Atualmente a Ação contempla 650 bolsistas entre Griôs, Mestres e Griôs Aprendizes das tradições orais de diversos grupos culturais, indígenas, quilombolas, povos de terreiro, mestres e outros" . E uma das histórias que Alencar conta é a da Lomba das Tamancas, na atual rua Dolores Duran. O antigo nome do local seria esse devido aos Barrigas Verdes que, ao se confrontarem com tropas Farroupilhas, foram surpreendidos pelos inimigos e acabaram fugindo, deixando seus tamancos ali jogados.

Por não ter mais a espora antiga, o idoso a desenhou para
 mostrar seu tamanho em relação às outras (Bruno Farias)
Porém mais interessante ainda é o que o Mestre Griô relata a respeito da Toca dos Bugres que, segundo ele, teria servido como moradia de indígenas e, posteriormente, como presídio pelos rebeldes que lutaram contra as tropas imperiais durante a Revolução Farroupilha. O descendente de escravos relatou inclusive sobre a existência de grilhões presos às paredes da gruta, vistos anos atrás por ele próprio, mas que ele não sabe se permanecem lá até hoje. Alencar também encontrou  na gruta, anos atrás, um "patacão de bronze desse tamanhão assim (...) o ano tava ilegível, só dava pra ver uma coroa" - uma moeda do tempo do Império, pelo que descreveu o idoso. E também uma espora antiga  de pua comprida (haste que segura a roseta), toda trabalhada, de ferro. Além das letras R e M gravadas na parede de pedra no meio de um coração, imagina ele, por algum vigia farrapo em homenagem à mulher amada.
 
É possível ver a represa em imagens de satélite, assim como
a estrutura de alvenaria que Alencar crê ter sido usada
para se interrogar os inimigos capturados (Google Earth)
Mestre Paraquedas conta também que a caverna era associada a um reservatório de água: "Entre os dois morros eles fecharam de terra pra fazer uma represa. (...) E a represa quando enche alaga a Toca dos Bugres". Da mesma forma, funcionaria uma estrutura de alvenaria com uma grade que, conforme crê o idoso, seria usada para interrogatórios e torturas: "É um negócio de cimento com uma grade na frente - eles usavam pra torturar as pessoas, o cara, botavam ali com água por aqui" diz Alencar, apontando para a altura do pescoço. "Acho que ali onde tem a grade era um negócio pra tirar o serviço das pessoas: ou vai falar, ou te boto ali" referindo-se ao modo como seriam "extraídas" as informações estratégicas que possuiam os inimigos capturados.
 
Local indicado por "Paraquedas" como sendo a represa onde
está localizada a Toca dos Bugres, em POA (Google Earth)

A profundidade da Toca dos Bugres ainda é desconhecida, porém segundo os relatos de outros moradores que falam dela como um tipo de "lenda urbana", ela seria muito profunda, talvez tendo dezenas ou quem sabe até centenas de metros de profundidade. Não se sabe, já que não é conhecido nenhum registro espeleológico desta gruta, que não consta na lista de cavidades naturais subterrâneas do Instituto Chico Mendes e do Centro Nacional de Pesquisa e Convervação em Cavernas (CECAV),  publicado em janeiro de 2010; assim como no ranking das maiores cavernas do Rio Grande do Sul no site da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE). Nos registros disponíveis sequer consta a existência de uma cavidade natural localizada na capital. Nem mesmo uma lista de paleotocas (buracos de animais gigantes, pré-históricos) disponibilizada através do site da UFRGS menciona a existência da caverna.

Em uma ocasião posterior à entrevista mostrada acima, "Paraquedas" indicou através do Google Earth a posição exata da boca da Toca dos Bugres: junto a uma represa que realmente ainda existe, e onde é visível a estrutura de alvenaria que já havia sido descrita por ele. O Mestre Griô se recordou de uma galeria que pode ou não ser uma continuação da mesma caverna, e que foi encontrada durante a construção do prolongamento da Avenida Bento Gonçalves, a aproximadamente 800 metros de distância do local indicado por ele como o da boca da caverna. Se for mesmo uma continuação dela (o que eu, pessoalmente, considero muito pouco provável), a Toca dos Bugres será a cavidade natural mais extensa e com o maior desnível (aproximadamente 150 metros) conhecida no estado, desbancando a Gruta de Nossa Senhora, em Nova Esperança do Sul/RS, considerada a mais profunda do Rio Grande do Sul. Essa última tem, segundo a SBE, 395 metros de extensão e um desnível de 32 metros.

O mais interessante é que pouco tempo depois da entrevista ser gravada, a seção "Há 30 anos em ZH" do jornal gaúcho Zero Hora reproduziu um texto publicado 3 décadas antes: "A terça-feira foi um dia mais movimentado do que o normal para os operários que trabalham nas obras de ampliação da Avenida Bento Gonçalves, na Capital. Quando uma das escavadeiras removia a terra de um barranco, veio a surpresa: uma caverna com aproximadamente 80cm de raio. 'Uma toca de tatu gigantes´ brincou um dos trabalhadores" dizia a notícia publicada originalmente em 06 de março de 1980.

Porém quem esperava que a reentrância encontrada ali fosse moradia de índios, como conta-se ter sido a Toca dos Bugres, se decepcionou. Segundo o mesmo texto do Zero Hora "Os primeiros curiosos a se acercar eram categóricos: 'Escavações feitas por uma tribo indígena'. No entanto, consultados, os especialistas no assunto não deram importância ao fato. ´É uma erosão tubular, provocada por vertentes naturais, comum nesta região´, disse o professor da disciplina de arqueologia da UFRGS Pedro Ignácio Schmitz, complementando que a existência da caverna pode ser explicada por um geólogo".



O mapa que mostra os combates de 6 e 9 de setembro de 1836 em Porto Alegre,da autoria de "Zambeccari", mostra um arroio chamado ali de "Riacho" em cuja beira há a indicação quase ilegível de uma "Infantaria Rep. (ILEGÍVEL)". Em comparação com o Google Earth, foi constatado que o tal "Riacho" era o mesmo Arroio Dilúvio, e o local indicado para essa unidade de infantaria fica bem próximo ao topo de morro no atual bairro Agronomia indicado pelo "Mestre Páraquedas" como sendo o local da Toca dos Bugres. Coincidência ou não, é mais uma história interessante para ser melhor pesquisada por arqueólogos, historiadores e até por espeleologistas.

Comparação das imagens de satélite do Google Earth com o mapa de 1836 (Pesquisa e edição: Bruno Farias)
ALERTA: 

A espeleóloga Leda Zogbi em 2008
ao mapear, junto comigo, a primeira
caverna registrada em Florianópolis
 (Pesquisa e fotos: Bruno Farias)
Vale lembrar aos aventureiros de plantão que não é recomendável a entrada de curiosos em cavernas. Esse tipo de pesquisa deve ser feito apenas por espeleólogos experientes, em grupo e com todos os conhecimentos, equipamentos e medidas de segurança necessários para desempenhar tal função. Além do resgate em cavernas ser algo muito difícil de ser feito, e de pouquíssimas pessoas terem experiência nesse tipo de salvamento, a impossibilidade de comunicação com o mundo lá fora (celular não funciona debaixo da terra) torna qualquer escorregão ou um simples ferimento um problema  potencialmente grave. Sem falar no fato de que a Toca dos Bugres fica a pouco mais de 1 km de uma pedreira onde, por muitos anos, foram estouradas incontáveis cargas de pólvora - primeiro passo do processo da extração e beneficiamento da pedra. Isso torna os subterrâneos daquela região bem mais instáveis que o normal, e aumenta consideravelmente o risco de desabamentos.

Opilões de espécie até então desconhecida fotografados na
Gruta da Praia Brava em Florianópolis/SC (Bruno Farias)
Também pode faltar ar lá dentro: "Inicialmente você sente uma taquicardia, depois vem uma sonolência e finalmente você desmaia, morrendo dentro da toca por falta de oxigênio" conforme consta no site do projeto PALEOTOCAS. A mesma seção, que fala dos cuidados a serem tomados ao se entrar em um subterrâneo, relembra a possibilidade de infecção: "Você pode inalar algo potencialmente perigoso como poeira de fezes secas de morcegos (que contém uma série de microorganismos potencialmente perigosos) ou pólens de fungos tóxicos. Isso não mata na hora, mas você se infecta e morre por doenças que se instalam em seu pulmão" alerta o site.
O puma ou leão-baio é outro animal
que vive em tocas (Bruno Farias)

Na Gruta da Praia Brava por exemplo, mapeada em Florianópolis/SC entre o final de 2007 e o início de 2008, foram fotografados dois opiliões cuja espécie ninguém soube indicar, assim como diferentes casulos de vespa - inseto que costuma viver em sociedade e que costuma ser bastante agressivo. Outro perigo é o ser humano (bandidos, foragidos, mendigos, etc, que costumam se esconder em lugares como esses) ou, dependendo do local, animais como aranhas, cobras, morcegos, e outros bichos maiores e bem mais agressivos. A Gruta do Miguel, registrada em Capão do Leão/RS em 2009, já foi esconderijo de um bando de ladrões de gado e fica no meio de uma serra infestada de cobras venenosas e de jaguatiricas, que também costumam viver em cavernas. O leão baio, felino que deu nome à cidade e que também costuma morar em tocas, andou deixando vestígios na região, tendo inclusive sido visto em 2011 cruzando uma rodovia no Taim e, suspeita-se, atacando bezerros no interior de Canguçu em 2009. Portanto, todo cuidado é pouco ao se entrar em uma gruta. O melhor mesmo é nem entrar.

Fontes:
- BRUNO FARIAS ENTREVISTA EUGÊNIO SILVA DE ALENCAR,75 ANOS (MySpace - LINK)
- AÇÃO GRIÔ (Cultura e Cidadania - Site do Ministério da Cultura - LINK)
- RELAÇÃO NOMINAL DAS CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS LOCALIZADAS DENTRO DA ZONA DE AMORTECIMENTO (10 Km) DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas CECAV - JAN/2010 - LINK)
- RANKING DAS MAIORES CAVERNAS DO RS (Site da Sociedade Brasileira de Espeleologia - LINK)
- CAVERNAS, GRUTAS, TOCAS, FURNAS E FENDAS NO RIO GRANDE DO SUL - (Paleotocas, site da UFRGS, 25/06/2010, LINK)
- REVOLUÇÃO FARROUPILHA - PARTE 1 (Acervo online "Imagens Históricas", de Bruno Farias - LINK)
- AMAZINGLY BIG HOLE - OVER 25 HECTARES (Site Panoramio, foto de Albertopsm - LINK)
- TINHA UMA CAVERNA NO MEIO DO CAMINHO (Jornal Zero Hora - Há 30 anos em ZH - 06/03/2010)
- FOTOS DA GRUTA DA PRAIA BRAVA, EM FLORIANÓPOLIS (Acervo de Bruno Farias)
FOTOS DE ANIMAIS (Site PICASA, fotos de Bruno Farias - LINK)

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